segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Museu de Arte Decorativo


Uma outra consequência da ausência de minha familia, que está de férias no Brasil, é que tive que buscar o que fazer nas horas vagas. Quando está todo mundo junto, sempre há ocupação, sempre há o que conversar, o que discutir, o que inventar, mas sozinho as horas parecem mais longas e os dias demoram mais a passar.


Nesse período resolvi aproveitar o que Buenos Aires tem de melhor - roteiros culturais. Num sábadão de preguiça saí de casa para visitar o Museu de Arte Decorativa que fica ao lado do Automovel Clube Argentino na região das embaixadas.


Trata-se da residência da família formada por Josefina de Alvear e Matías Errázuriz Ortúzar, foi construída entre os anos de 1906 e 1916 e já foi pensada para ser um museu. Não é uma casa que abriga obras de arte, toda a construção é uma obra de arte. 


Como não é permitido tirar fotos dentro do museu, todas as imagens internas publicadas aqui vieram do site oficial do museu.




O custo da entrada é simbólico - eu paguei AR$ 5,00 ou R$ 2,00 - e são feitas visitas guiadas de aproximadamente uma hora duas vezes por dia. Como realmente estava disposto a conhecer a história do museu aproveitei uma dessas visitas guiadas e confesso que não me arrependi.


A casa foi construída seguindo padrões arquitetônicos da França do século XVIII. Por fora parece um palácio grego com suas típicas colunas, querubins. Por dentro são dois andares que abrigam peças da coleção particular dos antigos donos e outras que foram doadas por diversas famílias portenhas.


Hall de entrada do museu


A primeira parte da visita é feita no primeiro piso e percorre quatro grandes salões, cada um deles com decoração típica de um determinado século (XVI, XVII, XVIII e início do século XIX).


Começando pelo salão de refeições que representa o XVI, possui 20m de comprimento, 16m de largura e 10m de altura, tapeçarias originais desse século nas paredes, duas grandes janelas góticas compostas por vitrais italianos, piso de madeira de lei formando mosaicos em duas cores e candelabros de bronze de uma antiga igreja francesa. Neste espaço enorme não existe nenhuma coluna suportando o teto, que é todo de um material parecido com gesso imitando madeira. Móveis, quadros, objetos de decoração e artigos de caça típicos daquela época também compoem o ambiente.


A impressão que se tem nesse salão é que você está dentro de um antigo filme de reis e castelos medievais.


Salão principal


O segundo salão é completamente diferente. Todo decorado seguindo o estilo renacentista onde a simetria é respeitada nos mínimos detalhes. As paredes são forradas com mármores franceses e italianos e representa uma cópia fiel da decoração do Palácio Versailles na França. Janelas, portas, candelabros, decoração do teto e móveis tudo reflete o estilo da época e tudo é feito respeitando a regra máxima da simetria. Neste salão existem vasos de cerâmica chinesa (os famosos vasos Ming) e uma "peixeira" que é um grande vaso de cerâmica que ficava cheio de água e onde eram colocados peixes que permaneciam vivos até a hora de serem consumidos. Vale lembrar que naquela época não havia geladeira.




O próximo salão era o salão de baile, que segue um estilo muito parecido com o nosso Rococó. A decoração é toda feita em tons dourados e há o predomínio das formas arredondadas - até mesmo o salão é meio ovalado - e há a presença forte de espelhos para dar a impressão de espaço, permitir que as pessoas se vissem e melhorar a iluminação que era garantida por nada mais que nove candelabros de bronze imitando ouro e com cristais de rocha transparentes trabalhados a mão. O piso é todo em madeira clara também para melhorar a iluminação geral. A musica era provida por um cravo feito na França e que ainda hoje é capaz de reproduzir peças musicais.




O último salão da visita é o "Salão da Senhora" onde a dona da casa reunia as amigas mais íntimas para o tradicional chá. A decoração é mais simples que os demais salões com pinturas de artistas do início do século XIX. O grande destaque do salão é uma escultura em mármore de Rodin com um homem e uma mulher se beijando e que representa a união das diferenças, a união do material e do espiritual.




Além desse roteiro, existe também um segundo piso com obras modernistas e também um salão no subsolo com esculturas hinduístas e budistas.


Para ver tudo com calma, reserve pelo menos duas horas. Fora do prédio do museu mas dentro da área total do mesmo existe uma cafeteria com opções de lanches que renovam as energias e te permitem conversar com os amigos sobre as experiências e sensações que a visita proporciona.


Apesar desse tipo de atração não estar no roteiro da maioria dos turistas de Buenos Aires, recomendo fortemente dedicar um pouquinho do tempo da sua estadia na cidade para essa visita.


Segue site para consulta:  http://www.mnad.org/index.php?subP=residencia#



Em breve conto um pouco sobre a visita que fiz a outro museu também incrível - Museu Nacional de Bellas Artes.




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domingo, 19 de fevereiro de 2012

Linha A - História Viva



Nas últimas 2 semanas estive sozinho em Buenos Aires porque minha familia foi ao Brasil aproveitar as férias. Nesse tempo consegui comer tudo o que havia na geladeira e então tive que sair às compras.

Não tenho nenhum problema com os supermercados próximos a minha casa e de fato todos são muito bons mas queria experimentar novas opções e tentar encontrar algo que é realmente raro em Buenos Aires: coração de galinha.

Isso mesmo, em quase um ano vivendo na Argentina já busquei em difersos lugares, sempre sem sucesso, o que no Brasil a gente acha em qualquer açougue decente ou supermercado. Eles tem o hábito de comer somente as partes nobres do frango em especial o peito, ou o frango inteiro. Essas duas coisas você encontra com relativa facilidade, mas aí fica sempre aquela pergunta: o que eles fazem com o resto do frango?

Em conversas com o pessoal do meu trabalho já escutei que eles jogam fora, que exportam para o Brasil, que usam os miúdos para fazer ração de cachorro, mas em nenhuma delas existe muita certeza ou confirmação. Percebi aí que eles nunca pararam para pensar nisso, eles simplesmente comem o que está disónível sem questionar o quer acontece com o resto.

De fato, quando falo que no Brasil coração, moela e fígado são iguarias muito apreciadas do frango, frequentemente a reação dos argentinos é de repúdio. "Como é que vocês conseguem comer essas coisas?" é o que escuto quase sempre.

Bem, seja lá como for, diferenças culturais à parte, resolvi que a escassez a que estava submetido naquele momento me fez tomar coragem e buscar outros points de compra.

Em conversas sobre o assunto recebi uma dica de um mercadinho de bairro que prometia ser bastante atraente - Mercado del Progreso - que fica no bairro Barracas. Me disseram que, como lá existem várias tendas de venda de frango talvez eu encontrasse também os corações que tanto queria.

Como sempre faço quando tenho que ir a um local novo o primeiro passo foi descobrir exatamente onde fica o mercado e quais meios de transporte eu poderia utilizar para chegar lá. Para minha sorte, o mercado fica em frente à estação Primera Junta da linha A do metrô.

Isso me deu um ânimo especial. Pela primeira vez teria a oportunidade de andar na famosa linha A e que foi aberta ao público em 1 de dezembro de 1913, tornando-se o primeiro sistema metroviário da América Latina e do Hemisfério Sul. É a mais antiga das atuais 6 linhas que compõem o sistema de metrô de Buenos Aires e conta com um total de 18 estações ao longo de 10,7 km linha, toda ela construída subterrânea. O seu traçado acompanha a Avenida de Maio e parte da Avenida Rivadavia.

Tudo certo, lá fui eu no sábado de manhã. Saí bem cedo seguindo a orientação que o melhor é estar no mercado antes da 9:00h para evitar o tumulto das compras semanais. Tomei a linha D até a Catedral e depois a linha A na estação Perú. A estação por si só já é uma obra de arte urbana, com um estilo inconfundível do século passado. Mas o melhor ainda me esperava.

Estação Perú - Linha A

Quando o trem chegou eu fiquei realmente extasiado. Era um dos famosos vagões da empresa belga Brugeoise fabricados por volta de 1910 e que estão rodando desde a inauguração da linha A.

A carroceria é feita em madeira e, ainda que seu desenho atual não seja o original de fábrica, são mantidos com o máximo de autenticidade. Esses vagões são os mais antigos do mundo ainda em operação.

Interior original dos vagões da linha A - Fonte: Wikipedia

Vagão hoje

Como era um sábado bem cedo e eu peguei logo no início do trecho não havia muitas pessoas na estação nem no vagão e aí consegui me sentar e observar com atenção todos os detalhes daquele pedaço vivo da história. Da estação Perú até a Primera Junta são 12 estações percorridas em 25 minutos.

Foi uma viagem incrível, os bancos de madeira, a iluminação do vagão, as janelas com abertura manual e travadas por cintas de couro, o rangido das juntas, tudo te leva a uma época que não existe mais.

Bem, chegada a minha estação de destino, conheci o Mercado del Progreso que no fundo é apenas um pequeno mercadinho de bairro e que, para minha decepção, também não tinha os miúdos de frango que eu buscava. Mas já que estava ali e precisava mesmo comprar frutas, verduras e legumes, não voltei para casa de mãos vazias.

Claro que voltei também pela linha A.


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