quarta-feira, 21 de março de 2012

A cidade das passeatas


Os argentinos são famosos pela grande quantidade de manifestações populares, mas Buenos Aires bate todos os recordes.


Em uma parcela muito pequena dos 305 dias que estou vivendo aqui não ocorreu nenhuma passeata. Na realidade, o comum é ter ao menos uma por dia e as vezes existem três ocorrendo em locais diferentes da cidade.


A integração da vida cotidiana da cidade com as passeatas e manifestações é tão grande que começo a acreditar que deva existir um departamento na prefeitura para agendamento dos eventos. Imagino até que exista um processo para definição de prioridades, com perguntas básicas como: vocês já leram o manual de condução de manifestações?; vocês contam com um lider de passeata certificado pelo Ministério do Interior?; a entidade organizadora tem certificação ISO 9001?; há bumbos e tambores para todos?; as bandeiras estão dentro da especificação mínima de tamanho?; há suficientes palavras de ordem como revanchismo, proletariado, massas desassistidas, usurpadores, facistas?


Chega quase a ser divertido ver as movimentações se arrastando pelas avenidas sempre do mesmo jeito, sempre fazendo muito barulho, muito barulho por nada.


Não sei se eles perceberam mas as manifestações foram tão banalizadas que quase ninguém fora do grupo manifestante e com certeza nem todos dentro, acreditam que vá gerar algum resultado prático. Mas eles continuam insistindo.


A mim só incomoda quando serviços públicos de transporte são impactados, o que é raro. Afinal, ninguém quer atrair a insatisfação popular. Se bem que o pior seria ter uma manifestação contra as manifestações.


Talvez o exemplo mais interessante até agora tenha sido quando o governo resolver remover da Calle Florida os cambistas e camelôs, mantendo somente aqueles que vendiam itens de artesanato. Numa análise social, estava correto porque a rua estava se tornando um grande camelódromo de produtos de baixa confiabilidade, sem muita segurança, com altos indices de assaltos a turistas e prejuízos para o comércio legalmente estabelecido que paga impostos. HOje se vê que o local está muito melhor, mais limpo e organizado, mas ficamos várias semanas com gente deitada no chão com cruzes e faixas.


Acho que é o jeito deles de se expressar depois de tanto tempo de repressão. Mas também acho que já passou da hora de se adequar ao mundo real.


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